Ruth é saudada como revelação de nossas letras
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A última edição de Água funda, que se tornou um clássico da literatura brasileira do século XX, conta com excertos da crítica da época de seu lançamento, incluindo nomes como Brito Broca, Antonio Candido e Alvaro Lins, e uma das primeiras entrevistas de Ruth Guimarães, saudada então como uma revelação de nossas letras.
Romance de estreia de Ruth Guimarães (1920-2014), uma das primeiras escritoras negras a ganhar destaque na cena literária brasileira, Água funda foi lançado em 1946 ― mesmo ano de Sagarana, de Guimarães Rosa. Mas enquanto o escritor mineiro se valia da plasticidade da fala sertaneja para inventar um léxico novo, entre o popular e o erudito, Ruth fez aqui uma original reconstituição etnográfica da linguagem caipira ― que conheceu pessoalmente em sua infância passada no Vale do Paraíba e Sul de Minas ―, aproximando-a das pesquisas de Mário de Andrade.
Entrelaçando diferentes tempos e personagens, inseridos no universo de uma comunidade rural na Serra da Mantiqueira, a autora construiu uma prosa ágil e fluida, permeada de ditos populares e causos marcados pela superstição e pelo fatalismo, que antecipa em certos aspectos o realismo mágico de Juan Rulfo e Gabriel García Márquez. É o caso das histórias de Sinhá Carolina, dona da Fazenda Nossa Senhora dos Olhos d’Água, e do casal Joca e Curiango, trabalhadores locais, num arco temporal que vai da época da escravidão até os anos 1930. Como afirma o narrador do livro: “A gente passa nesta vida como canoa em água funda. Passa. A água bole um pouco. E depois não fica mais nada”.
Ruth Guimarães nasceu em Cachoeira Paulista, SP, no Vale do Paraíba, em 1920. Aos dez anos publicou seus primeiros versos em jornais locais. Órfã aos dezessete, radicou-se em São Paulo em 1938, onde cursou o magistério na Escola Normal Caetano de Campos e depois ingressou como funcionária concursada no IPASE. Conheceu Mário de Andrade em 1943, que a iniciou nos estudos de folclore, e frequentou o círculo literário chamado “Grupo da Baruel”. Em 1946 lançou seu primeiro livro, o romance Água funda, com grande sucesso. Ingressou em seguida na USP, onde se formou em Letras Clássicas em 1950, mesmo ano de seu segundo livro, Os filhos do medo, ampla pesquisa sobre o papel do diabo na tradição popular brasileira. Escreveu crônicas e artigos para diversos jornais e revistas, participou do Conselho Estadual do Folclore, foi professora da UNIFATEA e escreveu dezenas de livros, de ficção e não ficção, como Lendas e fábulas do Brasil (1963) e Dicionário da mitologia grega (1972), além da peça Romaria (com Miroel Silveira). Traduziu obras de Balzac, Dostoiévski e Alphonse Daudet, entre outros, e também O asno de ouro, de Apuleio. Em 2008 foi a primeira escritora negra eleita para a Academia Paulista de Letras. Faleceu em Cachoeira Paulista, em 2014, aos 93 anos.
FOTO: UFMG (http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/434-ruth-guimaraes)